Tatiane chega para o estágio e logo me surpreendo
com sua dedicação, pontualidade, desejo de aprender, crescer. Entre tantas
qualidades, porém, surpreende-me, sobremaneira, a sua sensibilidade.
Trouxe muitas perguntas. Perguntas frequentes,
inteligentes, profundas. Ou simples, só confirmando o que já sabia. E eu as respondia
como podia, ou me calava, escutando a construção de suas respostas.
Um dia notei que seu cabelo louro, caído na testa,
em cacho, formava um ponto de interrogação. E com isso brincávamos. Eu sempre
observava: cabelos mais lisos, menos perguntas; cabelos mais cacheados,
perguntas abundantes.Pontual, chegava antes de mim e me aguardava, sentada à
mesa, na sala, livro na mão e a interrogação
no meio da testa.
Coordenávamos juntas os grupos de mães de crianças
com deficiência e os grupos de acolhimento de pessoas com estomia. Eram muitas histórias
que escutávamos. Ora muito tristes, ora bonitas, de superação.
Um dia, depois de alguns grupos e algumas
histórias, Tatiane me fez uma grande pergunta: “Susana, psicólogo pode chorar?”
Olhei bem: lá estavam o ponto de interrogação na testa e os olhos
marejados de lágrimas.
Houve um tempo em que se acreditou que o psicólogo
teria que sacrificar seus sentimentos, em nome de uma neutralidade ideal e
impossível de alcançar. Sabemos que dentre as ciências humanas que emergem no século
XIX, a Psicologia também traz como ideal da ciência da época a neutralidade e a
crença na possibilidade da apreensão objetiva do mundo e do humano, sem
interferência do observador. Hoje sabe-se quanto é preciso que o psicólogo se conheça a fundo: suas dores, sua história, aceitando seus
sentimentos, para ajudar o outro a ver a
si mesmo. Daí a importância das supervisões, como um espaço onde os sentimentos
que emergem da relação com o paciente, podem ser acolhidos e utilizados como
instrumento de cura.
De um lado a outro aqui no CEPRED, convivemos com
pessoas que estão, de alguma forma, superando perdas. Pode ser de um membro do
corpo, de uma função, de um ideal, de um filho sonhado, de uma vida desejada. Por
isso, escutar, como escutamos essas pessoas, é lição diária para percebermos que,
o que da vida parece difícil, impossível, ou mesmo trágico, pode ser vivenciado
com dignidade, aceitação inteireza.
Na verdade, Tatiane, todos nós, aqui, no CEPRED, estamos
num estágio, cujo aprendizado se dá até nos corredores e naquelas salas de
espera por onde iniciamos o seu estágio. Todos nós, aqui estamos aprendendo a
aceitar a e amar a vida como ela é, em toda a sua extensão e profundidade.Estamos
aqui vivenciando a constatação de que é possível viver com nossas faltas.
Nessas lições do nosso estágio por aqui, nos
emocionamos porque também nós convivemos com faltas, porque também nós temos
histórias de superação para contar, porque também nós somos humanos.
No entanto, aqui, ao seu lado eu muito sorri. Sorri
porque você conhece as respostas às suas perguntas e pensa que é o outro quem
poderá respondê-las. Sorri porque você não percebeu o quanto suas perguntas deram
direção ao seu estágio. Sorri porque eu adorei sentir seu respeito e atenção
diante de tudo o que escutamos, e , se foram histórias que tocaram seu coração,
o meu também foi tocado quando lhe vi disfarçando as lágrimas para esconder a
sua rica sensibilidade.
Carregue
com você a sua pergunta, pois, no seu percurso profissional você encontrará
respostas:
- Tatiane, psicólogo pode chorar?
Desejo
que sua sensibilidade seja o seu guia e que essa lágrima que insiste em sair
dos seus olhos, lhe dê a visão clara, mais nítida possível de você mesma e do
outro. Como boa psicóloga que já é, você faz de si mesma um ponto de
interrogação e, assim, confio que fazendo-se enigma que busca respostas em si, ajudará o outro a responder seus enigmas.
Tatiane,
ao seu lado sorri muito e quando choramos juntas, que bonito foi.
Susana Meirelles
Susana, que forma linda de abordar o tema. Com delicadeza, poesia e sabedoria.
ResponderExcluirBeijo, querida