segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Decoração de Natal


             Todos os anos, são as lojas que primeiro anunciam a sua chegada. Todos os anos, vitrines luminosas piscam–piscam as suas cores, e a luminosidade dos shopping centers anunciam, na decoração do Natal, os seus apelos.
O Natal vem chegando e nos surpreendendo pelo avanço do tempo, pois, assim, antecipado nas vitrines, sentimos que o trenó de Papai Noel a cada ano se torna mais veloz, e os seus sinos anunciam a passagem da própria vida, nos braços do tempo.
      O tempo é mágico e nos surpreende: mesmo sabendo que ele é sempre o mesmo, insistimos em repetir que, como um vento, o ano passa e sua velocidade, sentida quase como um lamento, nos convida a pensar, a rever, a revisar.
     Mas o tempo nunca altera a sua velocidade. O que muda é a nossa contagem. Quando bem vivido, é lento; dentro dele cabe tudo aquilo que nos transformou, nos emocionou. No entanto, preso no acaso de nossas monótonas repetições, parece não ter saído do lugar. Quando nele confiamos e o amamos, ele nos traz decisões e as soluções tão almejadas. Contudo, quando o tememos, parece não nos trazer presentes, mas a dor da sua perda e de todas as ausências.
      Tempo é sempre o mesmo e permanece invariável, maleável à nossa contagem, como a massa de modelar da nossa vida ou a matéria prima para os nossos sonhos. Tempo é Um. E como o Um iniciamos a contagem. No entanto, há muito tempo, entre os gregos, o tempo era Dois: duas palavras para expressá-lo, duas formas de compreendê-lo, duas maneiras de contá-lo e dois deuses para representá-lo - Khronos e Kairós.
      Khronos surgiu no princípio dos tempos e foi formado por si mesmo. Unindo-se a Ananka ou Inevitabilidade, gerou a Terra, o Mar e o Céu. Permanece sem corpo, como um deus, conduzindo a rotação dos céus e o eterno caminhar do tempo. Como força, é capaz de devorar os próprios filhos, tornando-se um deus temido por todos.
       Kayrós é um pequeno deus, que se parece com um elfo. É representado por um belo jovem seminu, com asas nos ombros e nos tornozelos. Kayrós sempre corre segurando a sua lança. Sua cabeça contém uma única mecha, a marca da sorte de uma oportunidade:
      Os gregos, como fazemos nós, contavam com Kairós para derrotar o tirano Kronos - o tempo da tão temida morte, do fim de todas as coisas.
Khronos é o tempo cronológico, ou sequencial; é o tempo que se mede, que se perde, que se ganha. É o tempo que passa. Kairós é o tempo indeterminado, o tempo no qual algo especial acontece, o momento oportuno. É o tempo em potencial, tempo eterno, tempo de Deus. Kairós tem a duração de um movimento, uma criação. Khronos é o monótono,repetititivo e veloz tempo dos homens
      O Tempo comanda os movimentos do Universo, marcando seu ritmo. Em sua forma Khronos, aprendemos a contar, a retroceder, a avançar. É em Khronos que conhecemos o passado, o presente e o futuro. Em sua forma Kairós, porém, o tempo possui asas nos pés, para que nos lembremos da eterna leveza do agora. Kairós é tempo do momento afortunado, tempo que tudo transcende, manifestando-se no eterno presente, instante após instante.
    Os shoppings centers, as vitrines, os calendários e quase todos nós vivemos a maior parte do tempo em Khronos, contando o tempo que falta para a morte, para o fim das dificuldades que vivemos ou para a chegada das situações que desejamos. Esquecemos de Kairós, que passa levemente por nossos rostos com a leveza do vento, mostrando-nos que o agora é o único momento oportuno e é onde está a verdadeira vida.
      E quando a decoração de Natal nos surpreende pela veloz passagem do tempo é como se nos deixasse uma mensagem: “Apresse o seu trenó, pois agora seu tempo é pouco para tudo aquilo que você esperou, nesse tempo, viver”.E isso acontece porque Khronos adora criar expectativas, por viver com medo da finitude. Khronos é muito triste e, por isso, conta e reconta. Kairós sonha e é feliz. Enquanto Khronos conta, Kairós sonha
     Kairós, de um lugar dentro de nós, convoca, convida-nos, apela : “avance, confie , entregue-se a essas nuvens e deixe-me conduzir seu trenó”.
Por isso, se olharmos mais uma vez a decoração de natal, podemos escutar um outro tempo que nos fala. Um tempo que está além da simples idéia de finitude e nos avisa que é este - é este, e apenas este- o tempo único, o tempo oportuno, o Agora onde está a vida verdadeira.
     Suspeito que, quando conhecermos verdadeiramente o amor, Kairós derrotará Khronos. Pois, já sentimos: um dia de amor, um instante de um acontecimento extraordinário ou um momento de extrema felicidade é o que faz o tempo parar, É quando, humildemente, Khronos se afasta e o tempo se desgoverna, pára, avança , retrocede. Creio que um único dia de amor, ou um instante de plenitude equivale a mil dias na monótona contagem de Khronos numa vida superficial e incompleta
Olhemos, então, mais uma vez a decoração do Natal, e vamos escolher. Podemos a tudo ver com os olhos de Kairós ou de Khronos. E então, ali, encontraremos: o verde de nossos campos cuidadosamente cultivados ou da nossa imaturidade. Os frutos belos, brilhantes e coloridos ou esmaecidos e sem cor das ações que agora colhemos. As luzes que piscam revelando nossa instabilidade ou nossa mais profunda alegria. O vermelho do nosso amor ou das paixões que nos consomem. O impávido pinheiro que se revelou a partir de uma semente ou a árvore desgastada de nossas falsas conquistas.
      Olhe bem: ali, logo ali, estarão os anjos em pequenas estatuetas vazias ou aqueles luminosos que foram libertos de dentro de nosso peito na forma de Generosidade, Compaixão, Solidariedade, Tolerância, Respeito às diferenças. O Noel de nossos sonhos ou o velhinho triste e cansado de nossas expectativas frustradas. As renas que nos conduzem e a elas nos entregamos ou em quem não confiamos a direção.
     Ali estão o presépio da nossa família, os laços vermelhos e dourados que ao longo do ano fizemos ou tudo aquilo a que nos amarramos. O trenó do nosso tempo ou de nossa saudade.
     Escute outra vez: ali tocam os sinos que nos convidam a sentir o nascimento de uma criança viva e linda dentro de nós. Nascimento que a todo ano se repete a nos lembrar a mais bela mensagem de amor que já se ouviu entre no Céu , no Mar, ou na Terra. Uma mensagem que marcou uma nova contagem, que inaugurou um novo tempo para a humanidade e que , por um momento, acredito, até fez Khronos e Kairós darem-se as mãos para recolher uma estrela que marcasse esse momento extraordinário, e servisse de guia e de inicio da contagem de nossa era. E para que pudéssemos compreender que é possível viver o tempo do extraordinário de Kairós, submetidos à contagem de Khronos,que rege nossas vidas.
     Acredito que se olharmos outra vez, até na decoração do Natal haveremos de encontrar a nossa estrela que poderá trazer o muito do encantado que existe dentro de nós. E ela terá a beleza da verdade quando se tornar, dentro de nós, muito mais do que simples decoração.
    Então que venha, que venha com o Natal, que venha um novo tempo, e que, mais do que do Natal uma decoração, que seja , que seja, um Natal ... de coração...



Feliz Natal!



Susana Meirelles

2 comentários:

  1. um beijo minha linda,que os avanços aconteçam,no pessoal e no profissional,
    que seja um ano produtivo e prospero de muita saúde,paz e felicidade,que os sonhos se realizem e as utopias seja reais e palpáveis,que o espírito do natal ganhe cada vez mais sentido e que o fato de nascer o cristo,faça renascer em nós a esperança de dias melhores que sejamos de fato arautos de boas novas.

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  2. Su, prosa poética. Poesia sempre. Linda, emocionante, rica em imagens belíssimas, sensível. Obrigada, porque é um presente ler você!
    Beijos,

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