domingo, 1 de julho de 2012

Relógio de Areia


És um moço tão bonito
quanto a cara de meu filho,
tempo, tempo, tempo tempo.
Vou lhe fazer um pedido.
(Caetano Veloso)


O tempo, esse mistério sem medidas, sempre foi um desafio para o homem que precisava - ao longo do tempo - controlá-lo, enquanto nele vivia.
A contagem do tempo pressupõe a consciência da finitude. Marca a que todos estamos submetidos, cujo confronto ou aceitação fuga ou negação, coloca-nos em dores e alegrias ao longo do tempo. E inventar uma medida, talvez sempre tenha sido, uma forma de controle desse intervalo de tempo, a que chamamos vida.
Dia e noite. Estações do ano, frio e neve. Sol, frutos e flores. A posição das estrelas. Quantas horas já inventamos?
Criamos o relógio das águas, das estrelas, o relógio do sol e relógio de areia. Foram muitas as medidas do tempo. Mas será que hoje, dono de nossos relógios modernos, já sabemos medi-lo? Será que, um dia, seremos  do tempo, seus senhores?
Qual a nossa medida de tempo?
Às vezes medimos o tempo pelos grandes acontecimentos e a vida parece ser uma corrida para alcançar um ou dois casamentos, formatura e aposentadoria. Três tempos ou um pouco mais. E os intervalos? Deixamos que se vão, como areia entre nossos dedos, pois o relógio das estrelas não nos permite viver o doce cotidiano, as delicias do presente que tornam o tempo dilatado, porque não marcado apenas por acontecimentos esperados, que logo depois de alcançados, nos trazem o triste sabor da finitude e por isso, reiniciamos indefinidamente a contagem.
Quando medimos o tempo pelos nossos relacionamentos, não consideramos o tempo de solidão, como se este fosse apenas intervalo. Contamos as pessoas que passaram em nossas vidas sem notarmos que elas refletiam as nossas estações; não contamos os momentos em que estivemos a sós, quando o tempo esteve tão próximo e ao nosso lado, esperando para ser aceito e utilizado em nosso crescimento.
Medido pelas nossas conquistas, o tempo nos dá a medida da nossa capacidade, mas não da felicidade, que parece escorrer no relógio das águas.
Sonhamos em parar o tempo como se assim aprendêssemos a nele viver. Dizemos que a vida está passando rápido demais, sem notarmos que somos nós - e não a areia do relógio que criamos- o  que desliza para o futuro, insistentemente.
Quando acreditamos que suas águas nos conduzem tão lentamente, não será por termos nos apegado à rocha do passado, esquecendo que, como água, temos a capacidade de nos entregarmos à vida, fluindo e deslizando ao sabor das nossas experiências?
Não será o presente a única e verdadeira medida do tempo?
Quando enchemos dos grãos da areia das nossas expectativas a nossa medida de tempo, tudo se vai com a rapidez do não vivido, uma vez que, nada acontece se só valorizarmos o inalcançável, o que está lá, bem distante, próximo às estrelas.
Ó tempo, vou lhe fazer um pedido: permita-nos gerá-lo amorosamente, como um filho para o mundo e não se deixe prender por nós, mas também não nos escape. Ó tempo, não represente apenas a nossa sobrevivência , mas a nossa passagem e não se permita mais ser contado por nós, pois ainda não sabemos como fazê-lo, mas nos contabilize- ó Tempo -  como  participantes da bela aventura da vida.
 Pois vida é esse relógio de areia marcado por um inicio e por um fim, cujo intervalo, poderá ser medido de acordo com nossos frutos e nossa colheita, nosso sol e nossa chuva; nossas passagens e nossas estações, as flores que cultivamos e as estrelas que nos encantam, sem temermos o seu fim.


Susana Meirelles






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