sábado, 8 de junho de 2013

Minha Infância




MINHA INFÂNCIA

 (Parafraseando  o poema ”Infância”  de Carlos Drummond de Andrade)



Meu  pai vestia  o paletó, ia trabalhar.
Em lugares que eram letras, não palavras
I B G  E , U F B A
 e eu soletrava , sem entender.
Minha mãe ficava em casa, comigo.
Minha irmã ia para a escola , onde eu queria estar.
Eu, menina, naquelas manhãs, entre figuras e letras
Lia devagarzinho “João Bolinha virou gente”
A história de um boneco feito de bolinhas,
Que um dia amanheceu menino.
Comprida história que não acaba mais.
No meio dia branco de luz, dona Rosa
A velhinha cega da janela em frente, chamava-me,
dizia que eu era a mais bonita flor do seu dia,
enquanto fazia  café.
Café preto que nem era ela
Café gostoso
Café bom.
Minha mãe me olhava, dizia baixinho:
 “Psiu..não pergunte como ela lhe vê
ela pode enxergar além, com o coração!”
E eu via: para a janela onde pousou uma borboleta azul
Ela apontava e, poética, dava um suspiro, que fundo!
Longe, meu pai aparecia
Voltando para casa,
No alto sem fim da ladeira
E eu esperava feliz para lhe mostrar  que eu já sabia
enxergar além das palavras, aprendendo a ler e escrever.
E eu não sabia que a minha história
era mais bonita que a de João Bolinha:
Eu também virava gente.

  

Susana Meirelles




Leite e Lágrimas


Macias são as mãos, as mantas
e o amor.
O calor do corpo,
acolhedor,
acolhe a dor.
Mãe amamenta.
A Luz do sol insiste nos olhos mal abertos.
Ao longe,
uma música suave
toca tanto
quanto as mãos, o leite.
Como a vida,
Convida-me.
Ó Vida! invade-me!
Quente como o leite.
De você, nada sei
mas já lhe sinto
nas entranhas.
Nesse espaço silencioso
onde uma aliança
se faz e me faz.
Aqui: luz e música.
Mãe, mãos e mantas
Imantam-me.
Uma dor e um amor
Me alimentam.


Susana Meirelles







Aurora


O coração descompassado
entre o medo e a sede
de saber.
As mãos pequeninas não respondem
a tanto que há em mim.
Como traduzir?
Amarelo, marrom, vermelho...
O desenho.
O sol cor de ouro
minha força, minha vida
ainda por descobrir.
Ali, atrás das pedras
timidamente ,revela-se
Eu aqui, sala de aula
A luz ainda escondida
vibrando , pulsando.
Minha aurora
entre um pedaço de giz
e lápis de todas as cores.



Susana Meirelles









Laços e Cercas


A menina ri
Alegre.
Entre laços e cercas.
entrelaces faz
com seu riso
e uma imensa doçura.
Amada é
essa menina,
nos doces laços que faz
em torno de si,
como cercas.
A menina abraça a boneca que ri
E também ri como boneca.
A menina entre risonha e triste,
(Como são as bonecas),
nem sabe
que sonha,
entre laços e cercas
em um dia,
rindo da boneca que foi
tornar-se real.

Susana Meirelles





DEZ ANOS

Recolhi das nuvens
um pouco dos sonhos
dos que gastam seu tempo
 a contemplá-las.
Corri pelo campo
espalhando-os
diluindo temores,
como fumaça.

Olho, recordo:
eram muito brancas
as nuvens no céu
dos meus dez anos.

Com a massa dos meus desejos,
gotas de chuva e  raios de sol
eu  modelava  o branco em flocos.
E  o que restava era muito azul.

Todos os  dias
A manhã sendo,
antes  que eu  olhe o céu
aquela  menina em mim, desperta
e faz perguntas
ao  meu coração.

Todas as noites
a noite sendo,
antes de dormir,
aquela menina  em mim
não entende minhas respostas
se cala e volta a sonhar.
Enquanto eu,
a dor meço.




                                                                     Susana Meirelles




O Tamanho do mundo


Danço
na ciranda do mundo
que ficou Maior do que quatro paredes
e tem muito mais do que quatro pessoas.
O mundo virou caleidoscópio,
girando, girando
nos braços da amizade.
O mundo cabe num caleidoscópio
da menina francesa
que me mostrou o tamanho que ele tem.
E, .na rede de sonhos e ilusões
que docemente se forma.
serei dançarina
terei asas para voar
além , muito além
das quatro paredes.
da vida minha
Eu, feliz ,ainda não sabia,
que o mundo, como caleidoscópio,
é mágico , mistura cores
nas suas surpreendentes
combinações.
O mundo é do tamanho do que se acredita,
por isso caberá para sempre,
na palma da nossa mão.



Susana Meirelles





Pares


Pares se fazem
em toda a parte
Circundam-me.
Menino e menina
Bem- me- quer
Mal -me- quer.
Parece que se aproxima um novo tempo
em que a vida vai me pedir
o que ainda nem sei dar.
Por enquanto, converso com passarinhos
e assisto meus desenhos animados.
No papel, meus desenhos ganham vida.
Animam-se.
Meu caderno está cheio de poemas
que recolhi por ai
desenhando flores e corações.
Ainda não quero ir
para o mundo dos adultos
Que conversam quietos, não se agitam como eu.
Prefiro brincar com a vida
treinando muito
 para viver
Depois.


Susana Meirelles






Crepúsculo


Na janela sinto a sua dor
e assisto ao meu crepúsculo, refletido em suas lágrimas.
De mãos dadas com você e com o sol do amor no meu peito,
daria tudo para presenteá-la
com a infância que tanto lhe alegra
e que abandono.
O tempo me afasta do seu doce colo,
do seu acalento
e daquela região mágica e colorida
das histórias que você criava
só para encantar o meu mundo.
Em breve, muito em breve,
O tempo nos afastará
E sei, o que você vê no meu crepúsculo
é a sua ida
refletida nesta lágrima
povoada de sombras.
Não , mãe,
não posso deter o sol que em  mim mergulha,
ele ressurgirá
fazendo-me mulher.
Mas aqui, agora, nessa janela, 
sei que assistimos a todas as cores
de um momento eternizado.







6 comentários:

  1. Já havia lido, reli, e é de uma beleza terna que me comove!

    Beijos,

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  2. muito bom, emocionante olhar voltado p infância... resgate de alegria/poesia!

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  3. LINDA FOTO SUSSU Susana Meirelles ! Que fofa! E o poema é de uma delicadeza sem par! O jogo das palavras no final é belíssimo e surpreende: adormeço = a dor meço! Que criativa você é, minha amiga!Abreijos de nuvens!

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  4. Su, que dança maravilhosa você faz com as palavras!!! Emocionante e lindo.
    Bjs
    Binha

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  5. Muito bela a sua narrativa, aquece o coração, bjs

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