sábado, 6 de abril de 2013

Série gente: Um Ponto de Interrogação







Tatiane chega para o estágio e logo me surpreendo com sua dedicação, pontualidade, desejo de aprender, crescer. Entre tantas qualidades, porém, surpreende-me, sobremaneira, a sua sensibilidade.
Trouxe muitas perguntas. Perguntas frequentes, inteligentes, profundas. Ou simples, só confirmando o que já sabia. E eu as respondia como podia, ou me calava, escutando a construção de suas respostas.
Um dia notei que seu cabelo louro, caído na testa, em cacho, formava um ponto de interrogação. E com isso brincávamos. Eu sempre observava: cabelos mais lisos, menos perguntas; cabelos mais cacheados, perguntas abundantes.Pontual, chegava antes de mim e me aguardava, sentada à mesa, na sala,  livro na mão e a interrogação no meio da testa.
Coordenávamos juntas os grupos de mães de crianças com deficiência e os grupos de acolhimento de pessoas com estomia. Eram muitas histórias que escutávamos. Ora muito tristes, ora bonitas, de superação.
Um dia, depois de alguns grupos e algumas histórias, Tatiane me fez uma grande pergunta: “Susana, psicólogo pode chorar?” Olhei bem: lá estavam o ponto de interrogação na testa e os olhos marejados  de lágrimas.
 Houve um tempo em que se acreditou que o psicólogo teria que sacrificar seus sentimentos, em nome de uma neutralidade ideal e impossível de alcançar. Sabemos que dentre as ciências humanas que emergem no século XIX, a Psicologia também traz como ideal da ciência da época a neutralidade e a crença na possibilidade da apreensão objetiva do mundo e do humano, sem interferência do observador. Hoje sabe-se quanto é  preciso que o psicólogo se conheça a  fundo: suas dores, sua história, aceitando seus sentimentos,  para ajudar o outro a ver a si mesmo. Daí a importância das supervisões, como um espaço onde os sentimentos que emergem da relação com o paciente, podem ser acolhidos e utilizados como instrumento de cura.
De um lado a outro aqui no CEPRED, convivemos com pessoas que estão, de alguma forma, superando perdas. Pode ser de um membro do corpo, de uma função, de um ideal, de um filho sonhado, de uma vida desejada. Por isso, escutar, como escutamos essas pessoas, é lição diária para percebermos que, o que da vida parece difícil, impossível, ou mesmo trágico, pode ser vivenciado com dignidade, aceitação inteireza.
Na verdade, Tatiane, todos nós, aqui, no CEPRED, estamos num estágio, cujo aprendizado se dá até nos corredores e naquelas salas de espera por onde iniciamos o seu estágio. Todos nós, aqui estamos aprendendo a aceitar a e amar a vida como ela é, em toda a sua extensão e profundidade.Estamos aqui vivenciando a constatação de que é possível viver com nossas faltas.
Nessas lições do nosso estágio por aqui, nos emocionamos porque também nós convivemos com faltas, porque também nós temos histórias de superação para contar, porque também nós somos humanos.
No entanto, aqui, ao seu lado eu muito sorri. Sorri porque você conhece as respostas às suas perguntas e pensa que é o outro quem poderá respondê-las. Sorri porque você não percebeu o quanto suas perguntas deram direção ao seu estágio. Sorri porque eu adorei sentir seu respeito e atenção diante de tudo o que escutamos, e , se foram histórias que tocaram seu coração, o meu também foi tocado quando lhe vi disfarçando as lágrimas para esconder a sua rica sensibilidade.
Carregue com você a sua pergunta, pois, no seu percurso profissional você encontrará respostas:
 - Tatiane, psicólogo pode chorar?
Desejo que sua sensibilidade seja o seu guia e que essa lágrima que insiste em sair dos seus olhos, lhe dê a visão clara, mais nítida possível de você mesma e do outro. Como boa psicóloga que já é, você faz de si mesma um ponto de interrogação e, assim, confio que fazendo-se enigma que busca respostas em si,  ajudará o outro a responder seus enigmas.
Tatiane, ao seu lado sorri muito e quando choramos juntas, que bonito  foi.



Susana Meirelles







Um comentário:

  1. Susana, que forma linda de abordar o tema. Com delicadeza, poesia e sabedoria.

    Beijo, querida

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